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Gullit, Van Basten, Rijkaard: o trio holandês do AC Milan de Sacchi | trivela.uol.com.br |
O 4x4x2 ganhou especial destaque com Sacchi, o carismático treinador italiano, hoje afastado das lides futebolísticas, mas que marcou uma geração no país da Squadra Azzurra. Deu nas vistas no Parma, em meados da década de 80 e transferiu-se para o AC Milan em 1987. Entre 1987 e 1991 fez história. Construiu uma equipa de sonho com jogadores como Marco van Basten, Carlo Ancelotti, Ruud Gullit, Frank Rijkaard, Franco Baresi, Roberto Donadoni ou o ainda jovem Paolo Maldini e decidiu inovar ao nível táctico. Naquela época, as equipas italianas encontravam-se presas a ideias de jogo arcaicas, assentes nos esquemas com cinco defesas (sendo um deles o líbero) e um futebol por vezes enfadonho. Com um esquema de 4x4x2, Sacchi privilegiava o equilíbrio em detrimento da posse de bola. Em adição, o espírito competitivo que incutia na equipa era único. Os jogadores actuavam sem piedade, nos limites, com "sede" de vitória. A pressão sobre o portador da bola era uma constante. Sacchi era da opinião que as linhas laterais contavam quase como um defesa, pelo que obrigava os seus jogadores a pressionarem alto o adversário nas alas, obrigando ao erro. Um estilo hoje bem visível no Atlético de Madrid de Simeone, por exemplo. As transições ofensivas da equipa eram rápidas e mortíferas. Em 1989, nas meias-finais da velhinha Taça dos Campeões Europeus, o Milan enfrentava o Real Madrid (de Schuster, Butragueño e Hugo Sánchez). Após uma igualdade a um golo no Bernabéu, a 2ª mão foi disputada em San Siro num jogo que ficou para a história do futebol. O Milan venceu por 5-0 (golos de Gullit, van Basten, Donadoni, Ancelotti e Rijkaard) e protagonizou uma das vitórias mais épicas de sempre no futebol europeu. E nem foi preciso ter o controlo do jogo com bola. Sacchi deu prioridade ao equilíbrio e pediu saídas rápidas. O talento da formação rossoneri fez o resto. Naqueles quatro anos de AC Milan, Sacchi conquistou uma Liga Italiana, uma Supertaça Italiana, duas Taça dos Campeões Europeus (foi, aliás, a última equipa a conquistar por duas vezes consecutivas a competição), duas Supertaças Europeias e duas Taças Intercontinentais. Em 1994, seria vice-campeão mundial, ao serviço da selecção italiana. Sem dúvida, um dos maiores de sempre do futebol europeu e mundial.
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Sacchi num treino do AC Milan | wf11blog.wordpress.com |
Sacchi e o seu 4x4x2 inspiraram gerações de treinadores. Um dos privilegiados que bebeu do conhecimento do técnico italiano foi seu jogador na super-equipa do AC Milan: Carlo Ancelotti. Apesar de, num plano ofensivo, raramente usar o esquema táctico preferido do seu mestre, Ancelotti reconheceu um dia que "o 4x4x2 é o melhor sistema defensivo que existe". De facto, se fizermos uma análise atenta, constatamos que boa parte das equipas, independentemente do sistema atacante adoptado, usa o 4x4x2 para defender no seu meio-campo, dada a sua facilidade de execução e organização. Para esse efeito, é o médio mais ofensivo que se junta ao ponta-de-lança solitário para preencher a primeira linha defensiva (e de pressão). Veja-se, por exemplo, o caso do FC Porto - que geralmente actua em 4x3x3 - onde por norma é Herrera (o médio com mais liberdade ofensiva do meio-campo portista) que se aproxima do ponta-de-lança no momento defensivo, fazendo com que os extremos formem a segunda linha com os dois homens mais recuados do "miolo". O 4x4x2 é inegavelmente um dos mais eficazes esquemas defensivos do futebol, muito por força do equilíbrio entre linhas que fornece. No entanto, essas três linhas de jogadores têm de estar bem sincronizadas, de forma a que o espaço deixado entre as mesmas seja o mais curto possível. Tem-se defendido, nos últimos anos, que a distância ideal entre a linhas dos dois avançados e a linha dos defesas não poderá ser superior a 25 metros. Atlético de Madrid e Benfica são dois bons exemplos de como esta postura tem resultados práticos muito positivos, se for bem trabalhada. São duas equipas que, especialmente quando jogam contra equipas do mesmo nível ou teoricamente superior, fazem uso de um bloco médio-baixo, com linhas bem juntas e pressão alta no centro do terreno, obrigando o adversário a fazer jogo exterior. Por norma, defendem em "basculação" (termo da gíria futebolística), isto é, a equipa move-se e orienta-se em função do local onde se encontra o portador da bola, levando a que a pressão nas laterais seja maior.
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4x4x2 defensivo do Atlético de Madrid | http://goo.gl/7ThBhQ |
Ofensivamente, o 4x4x2 assenta muito no ataque rápido e nas saídas em contra-ataque. É um óptimo sistema para ser utilizado contra equipas que envolvem muitos jogadores no processo ofensivo e que têm tendência para se desequilibrar no momento da perda de bola. Por outro lado, o facto de utilizar dois laterais e dois médios-ala no meio-campo faz com que estas equipas tenham tendência a jogar em largura. Isto leva a que haja muito jogo exterior, com vários cruzamentos, mas também obriga o adversário a abrir para defender (com os laterais a aproximarem-se da linha), criando espaços pelo meio para serem aproveitados pelos dois avançados, que assim ficam muitas vezes em igualdade numérica perante os centrais contrários. Claro que existem sempre variantes deste esquema. Para além do 4x4x2 losango (que assenta noutro tipo de dinâmicas), existe ainda o 4x4x2 praticado por Jorge Jesus, em especial no actual Sporting. O treinador leonino aposta regularmente em dois médios-ala falsos (como Bryan Ruíz e João Mário), que descaem com frequência para o meio, criando superioridade numérica no "miolo" e abrindo o corredor para as subidas dos laterais. É uma forma de contornar um dos problemas crónicos do 4x4x2: a exposição excessiva dos médios-centro.
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Jogada rápida de contra-ataque do Leicester a apanhar o Manchester City em contra-pé, após um canto. Mahrez conduz, coloca em Drinkwater que foge pela esquerda e os Foxes quase marcam. |
Em boa verdade, o 4x4x2 não tem só vantagens. Desde há muito tempo que este sistema tem sido estudado e trabalhado, com o propósito de ser melhorado mas também de lhe serem encontrados os principais defeitos, que são vários. A começar pela previsibilidade. Ofensivamente já não tem muitos segredos, razão pela qual alguns treinadores vão tentando adaptar-se, imaginando outras formas de atacar utilizando o mesmo esquema. A rigidez estrutural a que está sujeito também não ajuda. Mas um dos principais problemas prende-se com o desgaste a que os jogadores são sujeitos. O 4x4x2, apesar de ser de fácil implementação, obriga a uma grande disciplina táctica dos seus intervenientes, em especial dos médios-centro e dos alas. Os médios-centro são autênticos vaivém. Por norma um actua como médio de contenção e outro tem mais liberdade ofensiva, mas ambos percorrem todo o terreno em missões defensivas e ofensivas. Os médios-ala são invariavelmente obrigados a defender e devem ter um bom sentido posicional e espírito solidário quando a equipa perde a posse, ou o esquema vai por água abaixo. Ainda para mais quando os médios-centro estão muitas vezes em situação de inferioridade numérica (em especial contra equipas em 4x3x3 ou 4x2x3x1), fazendo com que um dos avançados tenha de recuar para equilibrar, ajudando a defender, caso seja necessário, mas especialmente na construção de jogo ofensivo. Aqui podemos dar como exemplo o trabalho de Jonas, no Benfica (que por não ter o potencial físico de um verdadeiro ponta-de-lança, baixa para zonas mais recuadas, aparecendo depois nos espaços entre-linhas do oponente), ou de Okazaki, no Leicester.
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Equipas do AC Milan e do Steaua Bucareste na final da Taça dos Campeões Europeus de 1989, ambas a actuar em 4x4x2 | Wikipedia |
O perfil dos jogadores utilizados neste sistema de 4x4x2 apresenta um padrão curioso de verificar, utilizando como exemplo as equipas habituais de Benfica, Atlético de Madrid e Leicester City. Dois centrais fortes (Jardel/ Lindelöf, Godin/ Giménez e Morgan/Huth); dois laterais que se envolvem com frequência no ataque (Semedo/ Eliseu, Juanfran/ Filipe Luís e Simpson/ Fuchs); dois médios fortes na recuperação de bola, apesar de um se encarregar mais das tarefas defensivas (Fejsa, Gabi e Kanté) e outro ter mais propensão para aparecer perto da área contrária (Sanches, Saúl Ñíguez e Drinkwater); um médio-ala mais criativo (Gaitán, Carrasco e Mahrez); um médio-ala mais talhado para os equilíbrios (Pizzi, Koke e Albrighton); um avançado recuado (Jonas, Griezmann e Okazaki); um ponta-de-lança mais tradicional (Mitroglou, Torres e Vardy). As diferenças entre jogadores são grandes, logicamente, pelo que muitos deles são incomparáveis entre si (Mitroglou, Torres e Vardy, por exemplo, são jogadores completamente distintos). Mas o perfil de cada uma das posições deste 4x4x2 é idêntico e os jogadores que enfrentam a missão que cada uma dessas posições encerra, têm papéis semelhantes, na sua maioria.
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O Leicester City está cada vez mais perto de vencer a Premier League | espnfc.com |
O 4x4x2 clássico, enquanto modelo táctico clássico, regressou com mais força nos últimos anos e parece ser para ficar. Apesar de nem sempre privilegiar o espectáculo e de ter vários contras, poderá vir a ganhar nova dimensão com os bons resultados de equipas que o utilizam. Atlético de Madrid, Leicester City, Benfica e Sporting lutam neste momento para serem campeões nos respectivos campeonatos e evidenciaram uma produtividade assinalável com este esquema. Equipas como o Villarreal (actual 4º classificado da Liga Espanhola e semi-finalista da Liga Europa), Bayer Leverkusen (3º na Bundesliga), Borussia Mönchengladbach (5º na Bundesliga), ou Watford (crónico candidato à descida, mas que tem estado em bom plano na Premier League - é 12º actualmente -, onde durante várias jornadas ocupou um lugar no top-10) têm demonstrado que o 4x4x2 continua na moda e pode trazer excelentes resultados práticos. Singrará o 4x4x2 clássico uma vez mais no mundo do futebol?